A menina de unhas azuis

A menina caminhava na minha frente rumo ao ponto de ônibus, seu cabelo era meio curto, tinha uma franja e usava saia rodada. Estava magra e usava um tênis meio gasto. A mochila dela estava pendurada de um lado apenas do corpo. Eu a observava de longe, mas como quem estava de perto, reparei cada movimento dela. Desde o apertar os olhos para tentar ler o número do ônibus, ao passar a mão no cabelo para afastar do olho a mexa desobediente que insistia em vir para o rosto. Não sei dizer se era bonita, não tive tempo de trocar nenhuma palavra com ela, mas pelo que li era bonita sim, daquelas belezas únicas e raras que a gente não vê por qualquer canto. O ônibus que ela pegou eu nunca peguei, nem sei dizer para onde vai. Enquanto ela subia nas escadas dele, eu quis muito saber o nome dela, mas me mantive aqui, quieto, sentado no banco, fingindo ler um livro que nem sei porque está comigo, e como se alguém me ouvisse pensar, ela deixou cair um papel na subida, eu olhei para o papel escorregar rumo ao chão, e olhei pra ela em seguida para saber se tinha notado a queda, mas ela já tinha subido e entrado, ela já tinha partido. Olhei-a pela última vez pela janela do ônibus em movimento que agora a levava para bem longe, levantei e segui na direção do papel, meu coração acelerado, sem saber o que encontraria ali. Talvez fosse apenas um papel de bala, ou um bilhete de trabalho, ou quem sabe algo particular, os papéis são os melhores guardiões de segredo que os humanos podem ter, quando me abaixei para segurar o papel nas mãos, meu coração quase pulsava fora de mim. Estendi a mão e segurei um papel com linhas de caderno, dobrado em quatro partes. As bordas meio amassadas o que mostra que ela não importava muito com ele, então não era algo tão importante assim, como um documento. Abri devagar, segurando para não deixar o coração escapulir pela boca, tinha uma letra desenhada tão bonita, forte, com traço que atravessava para o verso da folha, com tinta de caneta roxa estava escrito assim: "As palavras não podem dançar senão forem ditas, é preciso dizer, é preciso deixar a voz cantar, é preciso deixar a dança nascer." No final estava escrito "J.L". Talvez fosse um pedaço de texto que ela fosse desenvolver, talvez ela tenha copiado de algum lugar, eu não sei. Prefiro acreditar que ela escreveu e guardou para si, prefiro contar pra mim mesmo a história que acho digna de ser contada, e ela é que um dia por uma fração de segundo eu pude adentrar dentro de uma garota linda como aquela e espreitar suas letras. Espero que ela esteja bem, que seja bem, e que consiga fazer suas palavras dançarem como o papel me contou que ela queria.

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