Nós.

boy
ao som de: The night we met ( só clicar no nome para ouvir)

E então me pediram para escrever sobre nós. (Eu disse que hoje era o meu dia de folga, mas insistiram tanto, que meus dedos acabaram por render-se ao teclado e aqui estou.)
Hoje é o meu dia  de folga e aposto que o Gregor Samsa me apoiaria a desfrutar dele. A propósito, sobre o Gregor, porque o Kafka não escolheu outra coisa para ele se tornar? Por que aquele bicho estranho e desengonçado? Será que é naquilo que a nossa alma se torna quando a rotina nos absorve? Talvez.
Sobre nós, o que eu posso escrever a respeito? Acho que os nós são o avesso dos eles. Também são laços fracassados. É mais que um plural.
Nós confronta eu. Ou completa? Confronta, porque eu sou sozinho. Nós não somos sozinhos, o nós é junto, é quente e aconchegante, que nem casa de mãe.
. Ah Quintana, eu queria você me explicando sobre o nós e que essa cadeira não pegasse embalo tantas vezes sozinha, não é sobre a saudade hoje que eu queria aprender, é sobre o nós.
Eu acho que no nós há flores, mas também tem espaço suficiente para muitas pedras que cortam quando pisadas. No nós tem tanto espaço que eu posso falar de território, que vincula, prende, sustenta a minha história e a sua, porque o nós é uma caixa aberta que nos cabe e nos faz caber.
No nós tem nudez porque a verdade pega as nossas roupas na porta, é um paraíso intocável, onde a gente não pode sujar, por isso o zelo, pra que com nosso desjeito não deixemos mais marcas do que as necessárias.
O nós é solo sagrado que só pode pisar quem entende quem é o seu eu. Se alguém violar isso, destrói o encanto, e aquele guarda roupa incrível que nos leva à Nárnia, acaba sendo só um guarda roupa, sem graça e cheio de coisa velha que ninguém quer mais.
O Gregor não entendeu quem era no eu, não se reproduziu no nós e por isso virou aquele bicho horrível, Kafka subliminarmente nos fala sobre o nós. As flores, seus insetos e pássaros que as beijam também falam do nós. Não há como falar em território sem a consciência do elo que o nós impõe. A saudade do Quintana derrama no nós. O guarda roupa mágico não existiria se Lewis não quisesse falar do nós.
O Nós não é um laço fracassado, porque eu me esqueci, que o laço fracassado do Quintana não tem o s. Não é nós, é nó. Nó sufoca mesmo, agride, viola. O nós ao contrário liberta, alegra e traz a boa sensação de estar vivo.
O  nós não tem fórmula, tem gente dentro, tem que ter empatia, amor e respeito para funcionar. Eu gosto do nós.  Gosto do efeito dele e do seu significado que é complexo demais para o eu entender e explicar na sua solitude que é singular por si.


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