_ Alô.
Ouvir sua voz foi como estar ao seu lado outra vez. Seu
timbre inconfundível fez meus olhos fecharem automaticamente, refletindo em
minha mente você, parado em minha frente, movimentando os lábios e esticando
aquele sorriso irônico do lado da boca, que só você sabe fazer. E aqueles dez
anos que se ergueram entre nós, nos afastando por caminhos distintos, foram
desfeitos como fumaça. E meu coração pode respirar o ar puro outra vez, com
cheiro de renovo, de girassóis.
_ Alô? Alguém na linha?
_Oi, quem é?
_ Quem é que está falando?
Eu sorrio, é claro que você sabe quem está falando. Eu sei
quem é. Sempre saberia, ainda que se passasse muito mais que muito tempo, eu
poderia reconhecer sua voz e possivelmente ela ainda teria o mesmo efeito sobre
mim.
_ O que você quer? Já faz tempo que...
_ Você está em casa? Preciso sair mais tarde, pensei em
passar aí para te ver um pouco.
Me pergunto como pode simular que o tempo não passou, que
ainda somos os mesmos daquela época, que não houve mais ninguém. O estranho é
que, não parece ter mudado nada. Somos só nós dois, nossa velha cidade, nosso
caso mal resolvido e minhas emoções descontroladas.
_ Ahn, sim, estou em casa... Pode vir.
Eu não acredito que disse que poderia vir, como posso ter me
esquecido das noites que chorei até dormir, e dos diários queimados por sua
causa? E aquela história de que estava com outra mulher enquanto saía comigo?
De toda aquela enrolação para me dizer algo que nunca foi dito?
De todas as viagens em que deitei no seu ombro, todos os
filmes vistos segurando sua mão, nossas conversas infinitas e olhares que só
nós dois podíamos entender, como esquecer da nossa foto juntos de quando éramos
bebês roubada por você? De cada conversa amiga que só você poderia me oferecer
quando meu mundo caía? Das nossas músicas juntos? De cada briga finalizada em
gargalhada?
A verdade é que sempre fomos os melhores amigos, e você
deveria ter gostado de mim. Aquela vez que me buscou para irmos ao baile,
realmente eu estava linda, e era pra você. Todos pensavam que éramos um casal,
e éramos, mas de amigos. Essa sempre foi sua resposta. Mas eu te amava.
No dia que resolvi te contar isso, que não éramos mais
amigos, você me abraçou forte, como nunca antes, beijou minha testa e disse que
tudo ficaria bem, que éramos irmãos. Pode se lembrar? Ou eu devo me lembrar!
Como posso ter dito pra vir?
Eu decidi seguir em frente, conheci pessoas, me apaixonei,
tive namoros, noites, histórias e construí memórias. Acreditei estar muito mais
forte e imune a você. Nossa amizade se definhou quando partimos de nós mesmos.
Já faz tanto tempo, já imaginei te encontrando tantas vezes.
Com um namorado talvez, com os amigos, na rua, no shopping, no parque. No
entanto, não nos encontramos. E cá estamos no lugar de partida. Cada um por
seus motivos, e ainda que os números de telefone tenham mudado, aqui é
impossível se perder. E é por isso que talvez tenhamos os dois retornado, para
nos achar.
Tudo o que sei, é que você me ligou. E não sei como vou
reagir ao te ver. Ao te olhar nos olhos. Naquela época você me pediu para não
cortar o cabelo, e foi justo ele o meu alvo. Ficou horrível, era o meu reflexo.
Hoje meu cabelo está enorme. Tenho tantas coisas pra te contar, para te
perguntar. Tanta vontade de me enlaçar em você e afogar essa saudade.
De todos eles, nunca pensei em outra pessoa a não ser você.
Mas disso você não precisa saber. Ou deveria dizer já que não somos mais
aqueles adolescentes inseguros?
_ Posso entrar? Abre a porta logo, sou eu! Trouxe girassóis.
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