"Quando falo com
sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou variamente outro do
que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não
tenho.
Enlevam-me ânsias que
repudio.
A minha perpétua atenção
sobre mim perpetuamente me ponta traições de alma a um caráter que talvez eu
não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos
fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que
não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente
árvore e até a flor, eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas
alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os
homens, incompletamente de cada , por uma suma de não-eus sintetizados num eu
postiço."
Fernando Pessoa, in 'Para
a Explicação da Heteronímia'
Muito lindo!
ResponderExcluirOlá, bela! vim agradecer tua visita e me deparei com esse lindo poema do Pessoa. Sou uma fã desse mestre, assim como sou fã de Clarice. Acho que eles falam desses múltiplos seres que somos, de uma forma, apesar de singular, ao mesmo tempo parecidos. Adorei esse teu cantinho. Muito bom gosto. bjão.
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